Amor, convivência e conveniência
Nadja neves Abdo
Parte 1

“De pé no vão da porta aberta, Shamas observa atentamente a
terra, o ímã que ela é, atraindo para si flocos de neve do céu. Em seu passo
deliberado quase protelado, eles caem como penas que afundam na água...A neve
cai e, sim, a mão estendida no caminho dos flocos é a mão que pede de volta a
estação agora perdida.”
“Ela voltou para casa, chocada
com a veemência daquele discurso. Ao longo do caminho que percorrera até à
loja, pensara que a família teria perdoado o casal, que os pais se teriam
lembrado de que todas as pessoas amavam alguém antes do casamento, sendo o amor
um fenómeno tão remoto e sagrado como Adão e Eva. As mulheres gracejavam entre
si:
- Por que achas que uma noiva
chora no dia do seu casamento? Pelo amor ao qual esse mesmo casamento põe termo
para toda a eternidade. Os homens podem pensar que uma mulher não tem passado –
“nasceste e, em seguida, eu casei contigo” -, mas os homens são tolos."
“Será que ela pensa que as pessoas a julgariam? O mundo não passa
constantemente sal pelas nossas feridas: pelo contrário revestiu-nos de sal de
antemão para que, sempre que nos ferimos seja duplamente doloroso.”
Ao ler Mapa dos amantes perdidos, o leitor deve ficar atendo às constantes
metáforas que permeiam a narrativa. O tratamento delicado, mas dramático, dado
pelo autor aos personagens é fantástico: Aslan delineia com maestria suas
personalidades, defende cada um em suas convicções e necessidades individuais,
ao mesmo tempo em que os responsabiliza emocionalmente pelo desfecho inexorável
de suas vidas, resultante de suas próprias escolhas e renúncias.
Parte 2
Refletindo sobre o tema “amor”, a
partir de Mapa dos Amantes Perdidos,
começo a perceber a fantasia construída acerca dessa concepção. O livro a
desmistifica, revelando as verdadeiras facetas dos variados sentimentos que
levam as pessoas a compartilharem uma vida, ou parte dela. Dentre elas, aparece
sim o amor, mas numa ótica mais complexa e interdependente de vários fatores e
concepções. Até certa altura da vida, eu pensava que o amor existisse a
despeito de tudo (na juventude, temos a necessidade vital de crer em utopias e
achar que elas possam ser realizadas). Eu acreditava naquele amor decantado em
verso e prosa, naquele modelo hollywoodiano arrebatador de corações, nas
canções italianas que me levavam às lágrimas. No entanto, havia algo curioso:
nunca o vivenciei plenamente, nem fui testemunha de que ele – o tal amor –
tivesse sido vivido por alguém naqueles moldes.
A idealização do amor fez com que
ele se tornasse algo para além das possibilidades humanas. Já a paixão, esta
sim, anda por toda parte. Urgente, visceral,
excitante... mas efêmera. Tão rápida, tão frágil, que logo se reduz ao nada,
quando muito a uma lembrança fugaz. Em geral, o que existe, de fato, entre as
pessoas comuns está mais para “gostar”, ou seja, ter “afeto/amizade/afinidade/atração/proteção”, que pode se desenrolar em convivência respeitosa ou ruidosa. E esses sentimentos são
muito mais razoáveis, plausíveis e verdadeiros, compatíveis com o ser humano. Isso
pode ser facilmente constatado, quando há separação. Como o cenário muda, como
tudo fica relativo, até mesmo antagônico! Do “eu te amo” ao “eu te odeio”, o
caminho é curto e cruel.
Mas, por que o tão alardeado amor
não pode ser visto andando por aí aos quatro ventos, perfumando a vida,
colorindo os ambientes, humanizando as pessoas? Foi preciso alcançar a
maturidade - que não tem idade certa para acontecer – para finalmente concluir
que não há s amar e conviver em plenitude, tendo em vista que tal proeza
demanda muita generosidade e desprendimento. O egoísmo está de tal forma latente
na natureza humana, que dificulta ou impossibilita uma convivência permeada de
amor ao próximo, puro e leal. O único amor genuíno, em princípio, é aquele que
não foi vivido, que ficou transitando pelas esferas do imaginário.
Não se trata aqui de desmerecer
as relações humanas e reduzi-las a nada. O contato entre as criaturas é
inegavelmente necessário e precioso. É com a convivência que aparamos nossas
arestas, transigimos em nossas convicções mais enraizadas, desfrutamos prazeres
inimagináveis, como também experimentamos a necessidade paradoxal de ficar a
sós.
Ao mesmo tempo em que é saudável
viver em comunhão, é preciso considerar que vidas por demais entrelaçadas
acabam por colocar em risco a individualidade, dificultando o crescimento
pessoal. O modelo de relacionamento amoroso predominante impõe sérias
restrições à liberdade de ação e expressão, o que torna a convivência um ônus
muito alto. Mas nem sempre isso é perceptível aos envolvidos, porque a
interdependência acaba por se tornar algo tão vital, tão conveniente, que a
simbiose não mais permite distinguir cada personalidade. Nessa perspectiva, o
que se dá o nome de amor é algo tão divergente do que se vive, que nos leva a
verificar uma significativa inconsistência metalinguística.
Mas há que se considerar nesta
análise, o amor na perspectiva universal, ocidental e oriental. No primeiro
caso, trata-se do amor a que Paulo de Tarso se referiu em “Coríntios 13”,
aquele que diz respeito à caridade e misericórdia. No que se refere ao amor
ocidental, encontra-se uma flagrante preponderância de sentimentos carnais, de
circunstâncias matérias favoráveis(gregarismo) ou de lavagem cerebral promovida
pelas igrejas. No outro extremo, acha-se o amor oriental, permeado de pudores
exacerbados e regido por dogmas religiosos radicais. Dessa tríade, pode-se
facilmente fazer inferências, sem qualquer temor de erro. O primeiro é o ideal,
mas intangível. Quanto aos outros dois, são formas paradoxais da mesma verdade:
o ser humano não carrega em sua natureza egocêntrica a capacidade de amar
incondicionalmente. Tudo o mais que se diga, é rocambolesco.
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*Nadeem Aslam (nascido em 11 julho de 1966, [Gujranwala , Paquistão) é um premiado romancista paquistanês britânico Nadeem Aslam se mudou com sua família
para o Reino Unido com 14 anos, quando seu pai, um comunista, fugiu do regime
do Presidente Zia e estabeleceu-se em Huddersfield , West Yorkshire, UK .
Mais tarde, estudou bioquímica na
Universidade de Manchester, mas deixou o curso em seu terceiro ano para se
tornar um escritor. Aos 13 anos, Aslam publicou seu primeiro conto em Urdu, em
um jornal paquistanês. Seu romance de estréia, Estação das Rainbirds (1993), estabelecidos no Paquistão rural,
ganhou a Betty Trask e o Clube Primeiro Prêmio Novel do autor. Seu próximo
romance, 2004, Mapas para amantes
perdidos, está situado no meio de uma comunidade paquistanesa imigrante em
uma cidade Inglesa ao norte. O romance levou mais de uma década para ser
concluído, e ganhou o Prêmio Kiriyama . O terceiro romance de Aslam, A Vigília Perdida, foi publicado pela
Alfred A. Knopf, em setembro de 2008. Ele é passado no Afeganistão . Ele viajou
para o Afeganistão durante a escrita do livro, mas nunca tinha visitado o país
antes de escrever o primeiro rascunho, Em 11 de fevereiro de 2011, foi
pré-selecionado para o Prémio Warwick . A quarta novela de Aslam é Garden, o homem cego (2013). Está
situado na região oeste do Paquistão e Leste do Afeganistão e olha para a
guerra contra o terror através dos olhos dos personagens locais, islâmicos. Ele
contém também uma história de amor vagamente baseado no romance Punjabi
tradicional de Heer Ranjha. Aslam recebeu um Encore em 2005. Ele escreve seus
rascunhos em escrita comum e prefere isolamento extremo durante o trabalho.
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