FLORESTA EM MUTAÇÃO

Nadja Neves Abdo



Olho “da janela lateral do quarto de dormir” e vejo meu bairro abrigar uma curiosa variedade de imóveis e posturas contrastantes de seus moradores. As casas e sobrados ainda ocupam espaço, mas não resistirão por muito tempo. Vários prédios vão surgindo, tomando o lugar de uma -no máximo duas – residências particulares. A construção civil parece ter descoberto um filão e avança sofregamente sobre a região. As torres das igrejas já sumiram do cenário, seus sinos já não são ouvidos, tamanho o burburinho de veículos. E o verde, esse coitado, vai se contentando com pouco!
As pessoas, embora vizinhas, pouco têm em comum. Assim sendo, não formam uma comunidade na acepção da palavra. Os tipos se confundem em meio à diversidade: idosos preservando seus quintais; pessoas de classe média acomodadas em prédios modestos, meio confinadas; novos moradores vindos da zona sul, porque não conseguiram se manter naquela região nobre; outros porque adquiriram seu primeiro imóvel nos novos edifícios, que, por sua vez, são mais refinados, para atrair compradores um pouco mais exigentes... E vai por aí a fora a diversidade física e humana. "O mundo físico sustem de certo modo o mundo moral."(Cyro dos Anjos)
Sendo o contexto situacional tão eclético, fica difícil definir o contexto cultural. A mutação é notória, mas difusa, como se as pessoas não soubessem bem porque estão ali e como devem se comportar. A faixa etária é também bastante ampla, o que não ajuda a determinar o perfil do bairro atualmente. Entretanto, há nos moradores em geral uma preocupação em manter padrões sociais mais elevados, em preservar a condição residencial do bairro, apesar dos muitos estabelecimentos comerciais existentes. Mas, como em todo lugar, também há aqueles que contribuem negativamente, com falta de educação coletiva, economias porcas em segurança e escolhas arquitetônicas de mau gosto.
Ainda não consegui delinear o perfil do meu bairro – outrora tradicional – hoje transfigurado pelas mudanças econômicas e sociais que o mundo atual vem impondo. Como as montanhas delimitaram o extremo sul da cidade, os prognósticos me levam a crer que Belo Horizonte vai mesmo crescer para o norte, passando pelo leste de forma abrupta e vertiginosa. Que prevaleçam o bom senso e a dignidade humana!


"Uma cidade segue o ritmo
ágil ou tosco dos homens.
Fala pela voz das criaturas
imperfeitas e insatisfeitas."

Henriqueta Lisboa

Comentários

  1. É o preço do progresso, do desenvolvimento urbano.
    Imóveis que participaram do nossa infância, do nosso
    crescimento e marcaram nossa vida, dão lugar aos espigões sem alma que destroem o bucolismo costumeiro de nossos bairros.
    Que preço alto estamos pagando, perdendo o nosso sossego, nossa paz, pelo barulho e perturbaçãom constumeira do progresso!
    Até que ponto tudo isso vale a pena?

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